O que fazer quando se está assistindo a uma palestra depois do almoço? Pior, a palestra não tem muita importância, porque eu já conheço o assunto. Manter os olhos abertos é uma tristeza; o sono me embala e, parece que capricha esse Morfeu.

Fui ao banheiro e lavei os olhos com água gelada, porque aqui no Canadá tudo é gelado

O sujeito fala; eu as vezes dou uma olhada nos slides. Ele, um cara “entroncado”, esforça-se para explicar um assunto “batido”… opa! Meus olhos fecharam! Quanto tempo ficaram abertos? Não babei ao menos, mas ela, a baba, já me chegava aos beiços.

Tomar um “chafé” não aguento mais. Eles, os canadenses, adoram sorver uma caneca cheia dessa coisa que eles insistem em chamar de café. Todos aqui bebem café com bastante água quente, é um café bem fraquinho. Olho em volta e todos estão esforçando-se para manter os olhos abertos também; todos se entreolham, impressionante a curiosidade humana!

Bom, então resolvi escrever uma crônica. Talvez a Menina se interesse… Florbela Espanca… Pensando bem, acho que ela vai achar divertido, vou ganhar um sorriso. Bem sei que não vou terminar isto enquanto estiver aqui, quando voltar ao Brasil, … quem sabe?! Mas vou tentar e aproveitar para fazer minhas impressões deste povo; já fiz “caquinha” ontem. Pronto, terminou a apresentação, palmas. Mas tem mais uma…

Ontem foi um dia agradável, um passeio de barco pelo Rideau Canal – uma cena bucólica, talvez igual àqueles passeios pelo Sena. Uma chuva fria e o frio atrapalharam um pouco a festa; a Menina iria gostar, teria ideia de como a iria aquecê-la aqui. Acha-se um jeito, mas pensa-se logo naqueles apertos, juntinhos, sentido o coração do outro bater lentamente, feliz… só o “calor” não poderia aumentar… uns beijinhos pode!

Fattori, um cara da Itália, convidou-me para uma saideira, mas o bar do hotel estava fechado e em Kanata, onde estou hospedado, barzinho é uma coisa rara, mas a sorte estava do meu lado.

Acordei um tanto cansado, tomei um remedinho para diminuir a ansiedade, mas dá um sono, e já começo a ficar preocupado com a tarde. Ainda temos um longo dia pela frente.

Lavei o rosto – virou hábito – e estou tomando uma caneca de “chafé” – virou hábito -, melhora, mas o que salva é escrever essa crônica e saber que a Menina vai ler, e… ganhar com certeza, vários sorrisos, acanhados, talvez… não! Tímidos! Mas really true.

O palestrante agora é até um amigo de longa data. Disse-me que tem uma filha de poucos dias e ainda está na fase de coruja, ou talvez não acreditando de que foi capaz de tamanha façanha. Não sei porque lembrei agora de Cathy[1], talvez de alguma maneira a Menina – observe agora que menina virou substantivo – tenha algo a ver com isso. Fui embora do Canadá.

Já de volta em NY JFK, entrei numa livraria para passar o tempo e fui procurar algum pocket book sobre biografias. Tinha ficado interessado por uma de Saladino, mas estava muito caro, pedi então a ajuda da atendente.

Ela era de uma beleza encantadora (todo mundo diz isso), cabelos castanhos e olhos azuis e pele alva como talco. Todos sorrisos, perguntou no que poderia ajudar (sem ironia, após nove dias “sem”, uma pergunta dessas cai numa parte do cérebro totalmente inescrupulosa). Usava uma blusa de mangas lilás, um pouco folgada, percebi no ato que não usava sutiens.  Aquela visão repercutiu, imagine. Respondi  que estava a procurar e, ela, imediatamente me levou à seção de biografias. Um brasileiro que ande atrás, digo, logo atrás de uma mulher e não olhar para a bunda dela… tem algo errado! Não sou santo, nem tampouco tenho pretensões; cravei-lhe os olhos e fiz conjecturas (quando se é canalha, acha-se palavras para bonitas para tudo!). Realmente fora dos padrões americanos. Quando paramos na seção, enfiei-lhes novamente os olhos, sem pudor, nos seios dela. Ela percebeu,  e, meus esforços foram inúteis para tentar desviar o olhar, meu cérebro não deixava. Agora claramente ela percebeu.

Um frio na espinha e uma sensação de pavor, inundou-me instantaneamente. Por um lapso de tempo, imaginei um monte de coisas e fiquei estático. Fui encarado. Sua expressão era normal, cordial, como antes, imediatamente toda sensação ruim, desapareceu. Um sorriso meigo, um perdão… um querer, um pseudo consentimento; eu poderia partilhar daquele bem. Uma empatia enorme dela e um presente divino.

Ela abaixou-se para pegar um livro, que parecia ser de Saladino. Não! Isso não! Isso não pode estar acontecendo, inacreditável o presente divino que acabou de chegar! Foi melhor que a encomenda.

Naquela penumbra do interior da blusa, brotava um contraste branco, perfeitamente distinguível e, fixando mais, o branco esmaeceu-se em cores, e eles a mim foram revelados, como um presente dado a uns poucos.

Ela voltou-se para mim e, com o semblante disse-me que tudo aquilo fora de sua percepção, levantou-se e tudo desapareceu, mas aquele momento ficou gravado para a eternidade. Sem consolo algum, fui-me. Apenas disse um “obrigado!”, e, um sorriso expressivo, desapontado talvez, foi deixado lá. É hora de procurar o portão de embarque.

Chegando ao portão de embarque fui ao telefone e deparei-me com uma confusa figura de mulher, com gestos rápidos e expressão nervosa, agitada. Hoje é meu dia, pensei. Ela olhava a todos em volta, com a mesma expressão, um misto de ansiedade e medo, e a todos que a miravam, sapecava um sorriso maroto. Hoje o dia parece uma mentira, que não sei contar. Olhos limpidamente azuis, transparentes. Cabelos em pequenos cachos loiros castanhos. Fui-me.

Depois de enrolar o tempo, terminei sendo um dos últimos a embarcar e, isso se devia ao fato de eu ter “merecido” uma poltrona no meio – detesto, prefiro o corredor – e tentava usurpar da sorte uma poltrona vazia no corredor, logo descobri que isso seria inútil, pois o voo estava lotado. Sai procurando a tal da poltrona, 24B era ela. Ao longe avistei a garota “exaltada” do telefone que eu tinha visto minutos antes. Não é que fui recebido com sorrisos, e  acredite, a minha poltrona era a do meio, ao lado dela. Hoje, definitivamente é meu dia. Arrumei minhas coisinhas no bagageiro e fui sentar. Como não deixo nada pra depois, comentei que tinha visto ela ao telefone no portão de embarque e falei que ela parecia estar exaltada, alegre. Ela disse estar exultante por ir passar uma temporada no Brasil, pois seus pais são brasileiros, havia nascido lá, depois morado no Brasil, mas havia tempos morava nos EUA novamente; mas ela arranhava o português direitinho. Mas estranhamente preferia o inglês.

Usava uma daquelas calças e blusa tipo “bata indiana”, tudo bem folgado e, pela textura da blusa, percebi que não usava os benditos soutiens. O dia hoje nem mentira é, e sim brincadeira com a tesão alheia.

O formato “pera” ficou nítido. De repente abaixou-se para pegar alguma coisa na bolsa aos seus pés e o mundo abriu-se em luz. De mentira, sim, era aquela visão! Em menos de uma hora! Desta vez a luz de leitura estava acesa, focando um livro inexistente com suas páginas abertas, as duas páginas escancaradas, iluminadas. Parecia a continuação… Era a continuação; aparentemente não houve separação de peças, apenas ocorreu um lapso de tempo insignificante, como que para os atores trocarem de roupas e cenário. Já nem lembrava do rosto na cena anterior, então deveria ser o mesmo. Assim a cena se repetiu por algumas horas, pois conversamos bastante e, ela, impetuosa, a cada instante “deixava” eu apreciar aquela brancura com duas pétalas róseas. Já me alcançava o priapismo, apesar do meu ser de desejo mesmo (aprenda mais sobre priapismo).

Enfrentar dez horas contínuas de voo não é uma coisa muito agradável e dormir é o melhor remédio. Ela começou a passar um creme nas pernas, arregaçando as pernas das calças até as coxas; fácil essas calças folgadas. Pela musculatura e meus olhos grandes perguntei se fazia alguma atividade física; “corro algumas milhas por semana” foi o que ouvi, pudera. Atiçou-me mais, aquelas pernas branquelas (agora começo a fazer desdém!) e a mente saiu em desvairada correria pelo infinito, como a procurar materializar o pensamento. “Talvez no banheiro; digo para a aeromoça que ela está passando mal, quer vomitar, sei lá!… Caramba ‘uma’ no banheiro do avião! Meus netos vão saber disto!”.

De vez em quando minha perna “escorregava” para as dela sorrateiramente, roçava um pouco e voltava. Ela dava umas risadas meio desdenhosas, mas não retirava a perna; nessas alturas (literalmente) voltei à minha poltrona. Ela desceu em São Paulo.

 

[1]  Personagem de O Morro dos Ventos Uivantes, de Emilie Brontë.