O Sagrado no Islã – “Jihad-esforço”

A palavra árabe jihad, apesar de não conter no seu núcleo semântico a noção de guerra, é quase sempre traduzida e alardeado como “guerra santa” pelo discurso dominante e ignorante, a respeito dos conceitos e da história do Islã, o que empobrece o debate sobre a compreensão de seu primordial significado, sobretudo no período do Islã clássico (séculos VII-XIII).

Na verdade, jihad expressa a ideia geral de “esforço” em conhecer e entender os princípios do Islã, a fim de aceitá-los e praticá-los de forma individual e coletiva. Individualmente, esse “jihad-esforço” atuaria tanto sobre o foro íntimo do converso, através de uma reflexão moral e espiritual para uma compreensão e aceitação conscientes do Islã, como em termos físicos e estéticos. Assim, esse momento de introspecção pessoal ocorreria por meio do estudo dos preceitos e práticas sociais islâmicos sobre determinado tema e, também, através da oração e culto a Allah (em árabe, o mesmo Deus monoteísta de judeus e cristãos). Física e esteticamente, o converso ao Islã deveria preparar seu corpo e mente, além de, na sua vida prática cotidiana, agir para alcançar seus objetivos pessoais e realizar-se como indivíduo em harmonia com os valores muçulmanos e da comunidade (islâmica ou não) em que vivesse.

Já o “jihad-esforço” coletivo de propagação do Islã e de realização social de seus preceitos seria de duas formas: o discurso (falado ou escrito) e a ação social. Aqui, como no “jihad-esforço” individual, o conhecimento e educação prévios são prioridades na difusão do ideal Islâmico. Nesse sentido, o “jihad-esforço” coletivo, poderia expandir o Islã entre populações não muçulmanas, a fim de convertê-las através de um discurso proselitista de ensinamento ou doutrinação, ou pela celebração de acordos políticos-econômicos e pactos sociais em que o fato de abraçar o Islã trouxesse benefícios, especialmente materiais, aos conversos, cuja conversão ocorreria mais por interesse do que por convicção. Já nas sociedades islâmicas, o discurso e as ações sociais poderiam agir na assistência material, espiritual e/ou terapêutica de pobres e necessitados em geral, como órfãos, idosos e deficientes físicos e mentais, ou na reforma de uma ordem político-social, por considerá-la opressiva ou ilegítima em relação ao que deva ser o verdadeiro Islã para os grupos oposicionistas.

A “guerra santa”, esta sim de caráter violento e armado, seria de defesa ou ataque. Essa espécie de “jihad”, que não se confunde com a anterior, dizia respeito à luta armada contra os inimigos do Islã ou uma sociedade muçulmana rival, ou até contra a própria ordem islâmica instituída. A guerra santa deveria ser precedida de um chamamento de adesão ao Islã ou de um tratado de paz, a fim de tentar evitar o conflito,  mas quando deflagrada não podia nem atacar nem envolver pessoas que não fossem combatentes.

Assim, a guerra santa de ataque teve, sobretudo no período do Islã “clássico”, essa natureza secundária e residual, que surgia como alternativa para a expansão, conquista e conversão islâmicas quando o Islã não se fazia compreender e aceitar através da “jihad-esforço”. A partir do século XII, as cruzadas (a “guerra santa” católica) dominariam um cenário sangrento, do qual talvez cristãos e muçulmanos jamais tenham podido se recuperar. O “jihad-esforço” já não desempenharia o papel principal na expansão e nas futuras conquistas do Islã. De fato, tanto nessa época como hoje, parece que o “jihad-esforço” perdeu a batalha para a enganosa “guerra santa”, cuja única real santidade descansa na memória dos que abateu e dos ainda abate.

Fonte: O sagrado na História do Islamismo

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